Dependência Química: Como Acessar Tratamento Gratuito pelo SUS

Saiba como o SUS oferece tratamento gratuito para dependência química, desde o acolhimento inicial até a reabilitação e reinserção social.

6/6/202516 min read

Dependência Química: Tratamento e Reabilitação pelo SUS

A dependência química é uma doença que afeta milhões de brasileiros e suas famílias. Diferente do que muitos pensam, não é uma questão de "força de vontade" ou "caráter", mas sim uma condição de saúde reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que requer tratamento adequado e apoio contínuo.

A boa notícia é que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento gratuito e humanizado para pessoas que enfrentam problemas com álcool e outras drogas. Neste artigo, você vai descobrir como acessar esses serviços, quais são as opções de tratamento disponíveis e como funciona todo o processo de reabilitação e reinserção social.

Importante: A dependência química é considerada uma doença pela OMS desde a década de 1970. O SUS garante atendimento gratuito para qualquer pessoa, em qualquer idade, que enfrente problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas.

O que é Dependência Química e Como Reconhecê-la

A dependência química é uma doença crônica caracterizada pelo uso compulsivo de substâncias psicoativas, apesar das consequências negativas para a saúde física, mental e social da pessoa. É uma condição multifatorial, influenciada por aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a dependência química é classificada entre os códigos F10 e F19, que abrangem transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substâncias psicoativas.

Sinais e Sintomas da Dependência Química

Para que o diagnóstico de dependência química seja realizado, é preciso que três ou mais dos seguintes sintomas estejam presentes:

  • Forte desejo ou compulsão para consumir a substância

  • Dificuldade de controlar o início, término ou quantidade do uso

  • Síndrome de abstinência quando o uso é reduzido ou interrompido

  • Tolerância (necessidade de doses crescentes para obter o mesmo efeito)

  • Abandono progressivo de prazeres e interesses em favor do uso da substância

  • Persistência no uso apesar de evidências claras de consequências nocivas

Impactos na Saúde e na Vida

A dependência química pode causar diversos problemas de saúde, dependendo da substância utilizada e do padrão de uso. Entre as complicações mais comuns estão:

  • Problemas físicos: doenças hepáticas, cardíacas, neurológicas, respiratórias

  • Problemas mentais: depressão, ansiedade, psicose, risco de suicídio

  • Problemas sociais: conflitos familiares, isolamento, perda de emprego, problemas legais

  • Problemas financeiros: gastos excessivos com a substância, dívidas, perda de bens

Além disso, o uso de substâncias está associado a mais de 200 problemas de saúde e é fator de risco relevante para violência e acidentes de trânsito.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS

O tratamento para dependência química no SUS é oferecido através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), um conjunto integrado e articulado de serviços de saúde mental que atende pessoas com sofrimento psíquico e necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.

A RAPS foi instituída pela Portaria GM/MS 3.088/2011 (incorporada na Portaria de Consolidação 03/2017) e representa uma importante conquista da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que busca oferecer cuidados em liberdade, no território e com foco na reabilitação psicossocial.

Princípios e Diretrizes da RAPS

O tratamento oferecido pela RAPS é baseado em princípios humanitários e científicos, incluindo:

  • Respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas

  • Combate ao estigma e ao preconceito relacionados à dependência química

  • Atenção humanizada e centrada nas necessidades individuais

  • Cuidado integral e assistência multiprofissional

  • Estratégias de redução de danos

  • Ênfase na reabilitação e reinserção social

Componentes da RAPS para Tratamento da Dependência Química

A RAPS é formada por diversos serviços que atuam de forma integrada. Os principais componentes para o tratamento da dependência química são:

  1. Atenção Básica em Saúde: Unidades Básicas de Saúde (UBS), Consultórios na Rua, Centros de Convivência

  2. Atenção Psicossocial Especializada: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), especialmente os CAPS AD (Álcool e Drogas)

  3. Atenção de Urgência e Emergência: SAMU 192, Salas de Estabilização, UPA 24h

  4. Atenção Residencial de Caráter Transitório: Unidades de Acolhimento (UA), Serviços de Atenção em Regime Residencial

  5. Atenção Hospitalar: Enfermarias especializadas em Hospitais Gerais

  6. Estratégias de Desinstitucionalização: Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Programa de Volta para Casa (PVC)

Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD)

Os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) são serviços especializados no atendimento de pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Eles funcionam como a principal porta de entrada para o tratamento especializado da dependência química no SUS.

Tipos de CAPS AD

Existem dois tipos principais de CAPS AD:

  • CAPS AD: Atende pessoas de todas as faixas etárias com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Funciona de segunda a sexta-feira, durante o dia, em municípios com população acima de 70 mil habitantes.

  • CAPS AD III: Oferece atendimento 24 horas, todos os dias da semana, incluindo feriados. Possui até 12 leitos para observação e monitoramento. Indicado para municípios com população acima de 150 mil habitantes.

Serviços Oferecidos nos CAPS AD

Os CAPS AD oferecem uma ampla gama de serviços, adaptados às necessidades de cada pessoa:

  • Acolhimento inicial: Avaliação da situação e das necessidades da pessoa

  • Atendimento individual: Consultas com psiquiatra, psicólogo, assistente social e outros profissionais

  • Atendimento em grupo: Grupos terapêuticos, oficinas terapêuticas, grupos de familiares

  • Atendimento familiar: Orientação e suporte para familiares

  • Atividades comunitárias: Ações de reabilitação psicossocial

  • Atenção às situações de crise: Acolhimento intensivo, desintoxicação ambulatorial

  • Hospitalidade diurna e noturna: Nos CAPS AD III, possibilidade de permanência no serviço por curtos períodos

  • Matriciamento: Apoio técnico a outros serviços da rede

Como Acessar o CAPS AD

O acesso ao CAPS AD pode ocorrer de duas formas principais:

  1. Demanda espontânea: A própria pessoa pode procurar diretamente o serviço, sem necessidade de encaminhamento. Basta comparecer ao CAPS AD mais próximo durante o horário de funcionamento.

  2. Encaminhamento: A pessoa pode ser encaminhada por outros serviços da rede de saúde (UBS, hospitais, SAMU) ou por serviços de outros setores (assistência social, justiça, educação).

Para o primeiro atendimento, é recomendável levar documentos pessoais (RG, CPF), cartão do SUS e comprovante de residência, mas a falta desses documentos não impede o acolhimento inicial.

Dica: Para encontrar o CAPS AD mais próximo, procure informações na Unidade Básica de Saúde do seu bairro, na Secretaria Municipal de Saúde ou ligue para o Disque Saúde (136).

Outros Serviços da RAPS para Dependência Química

Além dos CAPS AD, a RAPS oferece outros serviços importantes para o tratamento da dependência química:

Unidades Básicas de Saúde (UBS)

As UBS são a porta de entrada preferencial do SUS e oferecem:

  • Identificação precoce de problemas relacionados ao uso de substâncias

  • Intervenções breves para casos leves

  • Acompanhamento de pessoas em tratamento nos CAPS

  • Ações de prevenção e promoção da saúde

  • Encaminhamento para serviços especializados quando necessário

Unidades de Acolhimento (UA)

As Unidades de Acolhimento são serviços residenciais transitórios que oferecem:

  • Acolhimento voluntário e cuidados contínuos por até 6 meses

  • Ambiente protegido e técnicamente preparado

  • Projeto terapêutico singular em articulação com o CAPS de referência

  • Promoção da reinserção social

Existem dois tipos de UA: para adultos (maiores de 18 anos) e para crianças e adolescentes (entre 10 e 18 anos incompletos).

Serviços de Atenção em Regime Residencial

Incluem as Comunidades Terapêuticas, que oferecem:

  • Acolhimento voluntário para pessoas com dependência química

  • Ambiente residencial com foco na convivência entre os pares

  • Tempo de permanência de até 9 meses

  • Atividades práticas de formação, capacitação e desenvolvimento pessoal

Esses serviços devem estar articulados com a rede pública de saúde e assistência social.

Leitos em Hospitais Gerais

Para casos que necessitam de internação hospitalar, o SUS oferece:

  • Leitos em enfermarias especializadas em hospitais gerais

  • Internações de curta duração (7 a 14 dias em média)

  • Tratamento de intoxicações graves, síndrome de abstinência e comorbidades

  • Equipe multiprofissional capacitada

A internação deve ser o último recurso, indicada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

Abordagens Terapêuticas para Dependência Química no SUS

O tratamento da dependência química no SUS é baseado em evidências científicas e utiliza diversas abordagens terapêuticas, adaptadas às necessidades de cada pessoa.

Tratamento Farmacológico

Medicamentos podem ser utilizados para:

  • Manejo da intoxicação aguda: Medicamentos para controlar os efeitos imediatos do uso de substâncias

  • Tratamento da síndrome de abstinência: Medicamentos para aliviar os sintomas de abstinência e prevenir complicações

  • Tratamento de manutenção: Medicamentos para reduzir a fissura e prevenir recaídas

  • Tratamento de comorbidades: Medicamentos para tratar condições associadas, como depressão, ansiedade, psicose

Os medicamentos são prescritos por médicos e fornecidos gratuitamente pelo SUS, através da farmácia do próprio serviço ou da rede de farmácias do SUS.

Abordagens Psicossociais

As intervenções psicossociais são fundamentais no tratamento e incluem:

  • Psicoterapia individual: Abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental, Entrevista Motivacional, Prevenção de Recaída

  • Psicoterapia em grupo: Grupos terapêuticos específicos para dependência química

  • Terapia familiar: Envolvimento da família no processo de recuperação

  • Oficinas terapêuticas: Atividades artísticas, culturais, de geração de renda

  • Grupos de ajuda mútua: Articulação com grupos como AA (Alcoólicos Anônimos) e NA (Narcóticos Anônimos)

Redução de Danos

A Redução de Danos é uma abordagem pragmática e humanitária que visa minimizar os danos associados ao uso de substâncias, mesmo quando a pessoa não consegue ou não deseja parar completamente. Estratégias incluem:

  • Orientações sobre uso mais seguro de substâncias

  • Prevenção de doenças transmissíveis

  • Prevenção de overdose

  • Melhoria da qualidade de vida e da saúde geral

  • Construção de vínculos com os serviços de saúde

A Redução de Danos é uma diretriz oficial da política de saúde mental do SUS e pode ser a porta de entrada para o tratamento.

O Processo de Tratamento: Passo a Passo

O tratamento da dependência química é um processo que envolve várias etapas e pode variar de acordo com as necessidades de cada pessoa. Conheça o caminho típico:

1. Acolhimento Inicial

O primeiro contato com o serviço é fundamental para estabelecer vínculo e iniciar o processo de cuidado:

  • Escuta qualificada e sem julgamentos

  • Avaliação inicial das necessidades

  • Orientações sobre o funcionamento do serviço

  • Início da construção do vínculo terapêutico

2. Avaliação Multidisciplinar

Uma avaliação completa é realizada por diferentes profissionais:

  • Avaliação médica: história clínica, exame físico, solicitação de exames

  • Avaliação psicológica: histórico do uso de substâncias, aspectos emocionais, motivação para o tratamento

  • Avaliação social: condições de vida, rede de apoio, necessidades sociais

  • Avaliação familiar: dinâmica familiar, possibilidades de apoio

3. Elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS)

Com base na avaliação, é elaborado um plano de cuidados personalizado:

  • Definição de metas a curto, médio e longo prazo

  • Escolha das intervenções mais adequadas

  • Definição da intensidade do cuidado (intensivo, semi-intensivo, não-intensivo)

  • Identificação do profissional de referência

  • Participação ativa da pessoa e, quando possível, da família

4. Desintoxicação (quando necessário)

Para pessoas com síndrome de abstinência ou intoxicação grave:

  • Pode ser realizada ambulatorialmente no CAPS AD ou em hospital geral

  • Uso de medicamentos para alívio dos sintomas

  • Monitoramento clínico

  • Suporte psicossocial durante o processo

5. Tratamento Intensivo

Fase inicial do tratamento, com foco na estabilização:

  • Atendimentos frequentes (diários ou várias vezes por semana)

  • Manejo da fissura e prevenção de recaídas

  • Tratamento de comorbidades

  • Fortalecimento da motivação

6. Tratamento de Manutenção

Após a estabilização inicial, o foco passa a ser a manutenção da abstinência ou do uso controlado:

  • Atendimentos menos frequentes

  • Desenvolvimento de habilidades para lidar com situações de risco

  • Reconstrução de vínculos familiares e sociais

  • Reinserção em atividades produtivas e de lazer

7. Reabilitação Psicossocial e Reinserção Social

Fase focada na reconstrução da vida além da dependência:

  • Participação em oficinas de geração de renda

  • Retorno aos estudos ou qualificação profissional

  • Inserção no mercado de trabalho

  • Fortalecimento de vínculos comunitários

  • Desenvolvimento de atividades de lazer e cultura

8. Acompanhamento Contínuo

A dependência química é uma condição crônica que requer acompanhamento a longo prazo:

  • Consultas periódicas de manutenção

  • Participação em grupos de apoio

  • Monitoramento de recaídas

  • Ajustes no plano de tratamento quando necessário

Importante: O tratamento não é linear e recaídas podem ocorrer. Elas devem ser vistas como parte do processo de recuperação e não como fracasso. O importante é não desistir e buscar ajuda imediatamente em caso de recaída.

O Papel da Família no Tratamento

A família desempenha um papel fundamental no tratamento da dependência química. O envolvimento familiar pode aumentar significativamente as chances de sucesso do tratamento.

Como a Família Pode Ajudar

  • Apoio emocional: Oferecer compreensão, paciência e encorajamento

  • Participação no tratamento: Comparecer às reuniões familiares, grupos de família

  • Ambiente favorável: Criar um ambiente doméstico que apoie a recuperação

  • Estabelecimento de limites: Definir regras claras e consequências

  • Autocuidado: Cuidar da própria saúde física e emocional

Serviços para Familiares no SUS

O SUS oferece diversos serviços de apoio para familiares:

  • Grupos de família nos CAPS AD: Espaços de troca de experiências e orientação

  • Atendimento familiar: Consultas com profissionais para abordar questões específicas

  • Visitas domiciliares: Acompanhamento da dinâmica familiar em seu contexto

  • Orientação sobre codependência: Ajuda para familiares que desenvolveram padrões disfuncionais de relacionamento

Grupos de Apoio para Familiares

Além dos serviços do SUS, existem grupos de ajuda mútua específicos para familiares:

  • Al-Anon: Para familiares e amigos de alcoólicos

  • Nar-Anon: Para familiares e amigos de dependentes de outras drogas

  • Alateen: Para jovens (13 a 19 anos) afetados pelo alcoolismo de um familiar

  • Amor Exigente: Para familiares de dependentes químicos e pessoas com comportamentos inadequados

Esses grupos são gratuitos e funcionam de forma autônoma, mas muitas vezes têm parcerias com os serviços do SUS.

Direitos da Pessoa com Dependência Química

As pessoas com dependência química têm direitos garantidos por lei, especialmente pela Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e pela Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

Direitos Básicos

  • Direito ao tratamento: Acesso a tratamento gratuito e de qualidade no SUS

  • Tratamento humanizado: Ser tratado com respeito e dignidade, sem discriminação

  • Sigilo e confidencialidade: Garantia de privacidade das informações

  • Consentimento informado: Receber informações claras sobre o tratamento e consentir livremente

  • Tratamento menos restritivo: Ser tratado preferencialmente em serviços comunitários

  • Proteção contra abusos: Não ser submetido a tratamentos degradantes ou desumanos

Internação Involuntária e Compulsória

A internação para tratamento da dependência química pode ocorrer de três formas:

  • Internação voluntária: Com o consentimento da pessoa

  • Internação involuntária: Sem o consentimento da pessoa, a pedido de terceiro (geralmente familiar)

  • Internação compulsória: Determinada pela Justiça

As internações involuntária e compulsória são medidas excepcionais, utilizadas apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Elas devem ser comunicadas ao Ministério Público em até 72 horas e terminam por solicitação escrita do familiar, por determinação do médico ou por ordem judicial.

Direitos Sociais e Previdenciários

Dependendo da situação, a pessoa com dependência química pode ter acesso a:

  • Benefício de Prestação Continuada (BPC): Para pessoas com incapacidade para o trabalho e baixa renda

  • Auxílio-doença: Para segurados do INSS temporariamente incapacitados para o trabalho

  • Aposentadoria por invalidez: Para casos de incapacidade permanente

  • Programa De Volta Para Casa: Para pessoas egressas de longas internações

Os profissionais do CAPS, especialmente os assistentes sociais, podem orientar sobre como acessar esses direitos.

Histórias de Sucesso: Recuperação Através do SUS

Para ilustrar como o tratamento no SUS pode transformar vidas, compartilhamos algumas histórias reais (com nomes fictícios para preservar a identidade):

A História de João

João, 42 anos, começou a beber na adolescência e desenvolveu dependência de álcool aos 30 anos. Perdeu o emprego, separou-se da esposa e chegou a viver em situação de rua. Foi abordado por uma equipe de Consultório na Rua, que o encaminhou ao CAPS AD.

No CAPS, João recebeu acolhimento e iniciou um tratamento que incluía medicação para controle da abstinência, grupos terapêuticos e oficinas de arte. Também foi encaminhado para um abrigo temporário, onde poderia ficar enquanto se reorganizava.

O processo não foi linear, com algumas recaídas no caminho, mas a equipe do CAPS manteve o acolhimento e o vínculo. João participou de um grupo de economia solidária, onde aprendeu a fazer pães artesanais. Com o tempo, conseguiu alugar um pequeno quarto, retomou contato com a família e hoje vende seus pães em feiras da cidade, mantendo-se abstinente há dois anos.

A História de Maria

Maria, 35 anos, começou a usar cocaína aos 20 anos. Após o nascimento de sua filha, o uso intensificou-se como forma de lidar com a depressão pós-parto. A família, preocupada com a situação, a levou ao CAPS AD.

No serviço, Maria foi acolhida e iniciou um tratamento intensivo, com atendimentos diários. Recebeu medicação para tratar a depressão e a fissura pela cocaína, participou de grupos terapêuticos e de uma oficina de artesanato. A filha, que estava sob os cuidados da avó, foi incluída gradualmente no processo de recuperação.

Após seis meses de tratamento intensivo, Maria passou para o regime semi-intensivo e começou a participar de um curso de cabeleireira oferecido em parceria com o SENAC. Hoje, três anos depois, ela trabalha em um salão de beleza, cuida da filha e mantém-se abstinente, comparecendo ao CAPS apenas para consultas mensais de acompanhamento.

A História de Pedro

Pedro, 28 anos, começou a usar crack aos 18 anos. Após várias tentativas frustradas de parar por conta própria, procurou ajuda no CAPS AD, incentivado por um amigo que havia se recuperado lá.

No CAPS, Pedro foi avaliado e, devido à gravidade do caso, foi encaminhado para internação em hospital geral para desintoxicação. Após 10 dias de internação, retornou ao CAPS AD para seguir o tratamento em regime intensivo.

Pedro participou de grupos de prevenção de recaída, recebeu medicação para controlar a ansiedade e a fissura, e engajou-se em uma oficina de música. Sua mãe participou ativamente do grupo de familiares.

Após um ano de tratamento, Pedro voltou a estudar, concluiu o ensino médio e hoje cursa técnico em informática. Ele ainda frequenta o CAPS uma vez por semana para participar do grupo de música, agora como facilitador, ajudando outros usuários em recuperação.

Estas histórias ilustram como o modelo de atenção do SUS, baseado no cuidado em liberdade, no território e com foco na reabilitação psicossocial, pode transformar vidas e promover cidadania.

Prevenção e Redução de Danos

Além do tratamento para quem já desenvolveu dependência, o SUS também atua na prevenção e na redução de danos associados ao uso de substâncias.

Estratégias de Prevenção

A prevenção ao uso prejudicial de substâncias é realizada em diferentes níveis:

  • Prevenção universal: Dirigida à população geral, como campanhas educativas e programas escolares

  • Prevenção seletiva: Focada em grupos de risco, como adolescentes em situação de vulnerabilidade

  • Prevenção indicada: Para pessoas que já apresentam uso de substâncias, mas ainda não desenvolveram dependência

Essas ações são realizadas principalmente na Atenção Básica, em escolas e em outros espaços comunitários.

Abordagem de Redução de Danos

A Redução de Danos é uma estratégia de saúde pública que visa minimizar os danos associados ao uso de substâncias, mesmo quando a pessoa não consegue ou não deseja parar completamente. Algumas estratégias incluem:

  • Distribuição de insumos de prevenção (preservativos, seringas descartáveis)

  • Orientações sobre uso mais seguro

  • Testagem para HIV, hepatites e outras doenças

  • Vacinação

  • Acesso a cuidados básicos de saúde

A Redução de Danos é uma abordagem pragmática e humanitária, que reconhece que, embora o ideal seja a abstinência, muitas pessoas não conseguem ou não desejam parar completamente o uso de substâncias, e ainda assim têm direito à saúde e à dignidade.

Perguntas Frequentes sobre Tratamento de Dependência Química no SUS

1. O tratamento no SUS é realmente gratuito?

Sim, todos os serviços oferecidos pelo SUS para tratamento da dependência química são totalmente gratuitos, incluindo consultas, medicamentos, atividades terapêuticas e internações quando necessárias.

2. Preciso de encaminhamento médico para ser atendido no CAPS AD?

Não, os CAPS AD funcionam com "portas abertas", ou seja, qualquer pessoa pode procurar o serviço diretamente, sem necessidade de encaminhamento. Ao chegar, você passará por um acolhimento inicial, onde será avaliado se o CAPS AD é o serviço mais adequado para o seu caso.

3. O que devo levar na primeira consulta?

É recomendável levar documentos pessoais (RG, CPF), cartão do SUS (pode ser feito na hora se não tiver) e comprovante de residência. No entanto, a falta desses documentos não impede o acolhimento inicial.

4. Posso ser internado contra a minha vontade?

A internação involuntária (sem o consentimento da pessoa) é uma medida excepcional, utilizada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e houver risco para a própria pessoa ou para terceiros. Ela deve ser solicitada por um familiar ou responsável legal e autorizada por um médico. A internação compulsória, por sua vez, é determinada pela Justiça. Ambas devem ser comunicadas ao Ministério Público em até 72 horas.

5. Quanto tempo dura o tratamento?

O tempo de tratamento varia de acordo com as necessidades de cada pessoa. A dependência química é considerada uma condição crônica, que pode requerer cuidados por longos períodos, com intensidade variável. Algumas pessoas precisam de acompanhamento por anos, enquanto outras conseguem resultados satisfatórios em períodos mais curtos.

6. E se eu tiver uma recaída?

Recaídas são comuns no processo de recuperação da dependência química e não devem ser vistas como fracasso. Se você tiver uma recaída, é importante buscar ajuda imediatamente. Os serviços do SUS estão preparados para acolher pessoas em situação de recaída, sem julgamentos, e ajudar a retomar o processo de recuperação.

7. Posso continuar trabalhando/estudando durante o tratamento?

Sim, o tratamento no SUS é flexível e pode ser adaptado à sua rotina. Dependendo da sua condição e necessidades, você pode frequentar o serviço em diferentes intensidades (intensivo, semi-intensivo ou não-intensivo) e em horários compatíveis com suas atividades de trabalho ou estudo. Um dos objetivos do tratamento é justamente promover a inclusão social e a autonomia.

Conclusão

A dependência química é uma doença que afeta milhões de brasileiros, mas que tem tratamento. O SUS oferece uma rede de serviços gratuitos e humanizados, baseados em evidências científicas e no respeito aos direitos humanos.

O caminho da recuperação pode ser desafiador, com altos e baixos, mas é possível. Milhares de pessoas conseguem superar a dependência química todos os anos, com o apoio dos serviços do SUS, de suas famílias e de suas comunidades.

Se você ou alguém próximo está enfrentando problemas com álcool ou outras drogas, saiba que não está sozinho e que existe ajuda disponível. O primeiro passo é reconhecer o problema e buscar apoio.

Lembre-se: a dependência química é uma doença, não uma falha de caráter. Com tratamento adequado, é possível recuperar a saúde, reconstruir relacionamentos e retomar projetos de vida.

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