Doença Renal Crônica no SUS: Diagnóstico, Diálise, Transplante e Acesso
A Doença Renal Crônica (DRC) afeta milhões. Saiba como o SUS diagnostica (creatinina, TFG, urina), trata (conservador, hemodiálise, diálise peritoneal, transplante) e como acessar os serviços passo a passo.
4/28/202510 min read


Doença Renal Crônica (DRC): Como Tratar pelo SUS - Passo a Passo Completo
O que é Doença Renal Crônica (DRC)?
A Doença Renal Crônica (DRC), também conhecida como insuficiência renal crônica, é uma condição na qual os rins perdem gradualmente sua capacidade de funcionar ao longo de meses ou anos. Os rins são órgãos vitais responsáveis por filtrar o sangue, removendo resíduos e excesso de líquidos do corpo através da urina. Eles também desempenham funções importantes como:
Produção de hormônios que ajudam a controlar a pressão arterial;
Produção de eritropoetina, um hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos na medula óssea;
Ativação da vitamina D, essencial para a saúde dos ossos;
Controle do equilíbrio de eletrólitos (como sódio, potássio, cálcio) e do pH do sangue.
Quando os rins falham, essas funções ficam comprometidas, levando ao acúmulo de toxinas e líquidos no corpo, além de outras complicações graves. A DRC é definida pela presença de dano renal (detectado por exames de sangue, urina ou imagem) ou pela redução da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) – uma medida da capacidade de filtração dos rins – para menos de 60 mL/min/1,73m² por um período de três meses ou mais.
A DRC é considerada um problema de saúde pública global, com prevalência crescente. No Brasil, estima-se que milhões de pessoas tenham algum grau de DRC, muitas vezes sem saber, pois a doença costuma ser silenciosa em seus estágios iniciais. O diagnóstico tardio frequentemente leva à necessidade de tratamentos complexos e caros, como a diálise ou o transplante renal.
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece uma linha de cuidado completa para a DRC, desde a prevenção e diagnóstico precoce na Atenção Primária até os tratamentos especializados, incluindo a Terapia Renal Substitutiva (TRS).
Sinais e Sintomas da Doença Renal Crônica
Como mencionado, a DRC é frequentemente assintomática nos estágios iniciais (1 a 3). Os sintomas geralmente só aparecem quando a função renal já está significativamente comprometida (estágios 4 e 5). Quando presentes, os sintomas podem ser vagos e incluir:
Inchaço (edema): Principalmente nos tornozelos, pés, pernas e ao redor dos olhos, devido à retenção de líquidos;
Cansaço e fraqueza: Muitas vezes relacionados à anemia (falta de glóbulos vermelhos);
Alterações na urina: Urinar mais vezes (especialmente à noite), urina espumosa (indicando perda de proteína) ou com sangue;
Perda de apetite, náuseas e vômitos;
Coceira na pele (prurido);
Cãibras musculares;
Dificuldade de concentração;
Pressão alta (hipertensão arterial) ou dificuldade em controlá-la.
É crucial estar atento a esses sinais, especialmente se você pertence a um grupo de risco. A presença de sintomas geralmente indica uma fase mais avançada da doença, necessitando de avaliação médica urgente.
Fatores de Risco para a Doença Renal Crônica
Qualquer pessoa pode desenvolver DRC, mas alguns fatores aumentam significativamente o risco. Os principais são:
Diabetes (Tipo 1 ou Tipo 2): É a principal causa de DRC no Brasil e no mundo. O excesso de açúcar no sangue danifica os pequenos vasos sanguíneos dos rins;
Hipertensão Arterial (Pressão Alta): É a segunda principal causa. A pressão elevada danifica os vasos sanguíneos renais, prejudicando a filtração;
Idade Avançada: O risco aumenta com o envelhecimento;
Doenças Cardiovasculares: Como doença coronariana, insuficiência cardíaca, AVC;
Histórico Familiar de DRC: Ter parentes próximos com doença renal;
Obesidade;
Tabagismo;
Uso de Medicamentos Nefrotóxicos: Certos anti-inflamatórios, antibióticos e outras drogas podem prejudicar os rins se usados de forma inadequada ou prolongada;
Doenças Renais Prévias: Como glomerulonefrites, doença renal policística, infecções urinárias de repetição, cálculos renais.
Pessoas com esses fatores de risco devem realizar exames regulares para monitorar a função renal, mesmo na ausência de sintomas.
Diagnóstico da Doença Renal Crônica no SUS
O diagnóstico da DRC é feito principalmente através de exames simples de sangue e urina, disponíveis na rede SUS, geralmente solicitados pelo médico da Unidade Básica de Saúde (UBS).
1. Exame de Sangue: Creatinina e Taxa de Filtração Glomerular (TFG)
Creatinina: É um resíduo produzido pelos músculos e filtrado pelos rins. Quando a função renal diminui, a creatinina se acumula no sangue, e seus níveis aumentam. O exame de sangue para dosar a creatinina é fundamental;
Taxa de Filtração Glomerular (TFG): É a medida mais importante da função renal. Ela estima o volume de sangue que os rins filtram por minuto. A TFG não é medida diretamente, mas sim calculada a partir do nível de creatinina no sangue, levando em conta idade, sexo e, às vezes, raça e peso do paciente. Os laboratórios que realizam a dosagem de creatinina pelo SUS devem, idealmente, já fornecer o resultado da TFG estimada no laudo. Uma TFG abaixo de 60 mL/min/1,73m² por mais de 3 meses indica DRC.
2. Exame de Urina: Albumina/Creatinina Urinária (ACR) e Urina Tipo 1
Relação Albumina/Creatinina (ACR) em Amostra Isolada de Urina: A albumina é uma proteína que normalmente não deve estar presente na urina em grandes quantidades. Sua presença (albuminúria) é um sinal precoce de dano renal, especialmente em diabéticos e hipertensos. O exame ACR mede a quantidade de albumina em relação à creatinina em uma amostra de urina, sendo mais preciso que a simples pesquisa de proteína na urina;
Exame de Urina Tipo 1 (ou EAS - Elementos Anormais do Sedimento): Analisa a presença de sangue, proteínas, células inflamatórias e outros elementos na urina, que podem indicar problemas renais ou do trato urinário.
3. Exames de Imagem
Ultrassonografia Renal: Pode ser solicitada para avaliar o tamanho e a estrutura dos rins, identificar obstruções, cistos ou outras anormalidades.
Estadiamento da DRC
Com base nos resultados da TFG e da albuminúria, a DRC é classificada em 5 estágios, que indicam a gravidade da perda de função renal:
Estágio 1: TFG ≥ 90 mL/min/1,73m² (Função renal normal, mas com evidência de dano renal - ex: albuminúria);
Estágio 2: TFG entre 60 e 89 mL/min/1,73m² (Leve redução da função renal);
Estágio 3a: TFG entre 45 e 59 mL/min/1,73m² (Redução leve a moderada);
Estágio 3b: TFG entre 30 e 44 mL/min/1,73m² (Redução moderada a grave);
Estágio 4: TFG entre 15 e 29 mL/min/1,73m² (Redução grave - Fase pré-diálise);
Estágio 5: TFG < 15 mL/min/1,73m² (Falência renal - Necessidade de Terapia Renal Substitutiva - TRS).
O estadiamento ajuda a guiar o tratamento e o acompanhamento do paciente.
Tratamento da Doença Renal Crônica pelo SUS
O tratamento da DRC visa retardar a progressão da doença, controlar os sintomas, prevenir complicações e, nos estágios avançados, substituir a função renal perdida. O SUS oferece tratamento conservador e Terapia Renal Substitutiva (TRS).
1. Tratamento Conservador (Estágios 1 a 4)
Realizado principalmente na Atenção Primária e Especializada (nefrologista), foca em:
Controle Rigoroso da Doença de Base: Controle da glicemia no diabetes e da pressão arterial na hipertensão são essenciais;
Medicamentos para Proteger os Rins: Certos anti-hipertensivos (inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor da angiotensina) ajudam a reduzir a perda de proteína na urina e a proteger os rins;
Controle da Pressão Arterial: Meta geralmente abaixo de 130/80 mmHg;
Controle do Diabetes: Meta de hemoglobina glicada (HbA1c) geralmente abaixo de 7%;
Dieta com Restrição de Sal e Proteínas: Orientada por nutricionista, ajuda a reduzir a sobrecarga renal;
Controle de Outras Complicações: Tratamento da anemia (com eritropoetina, se necessário), controle do fósforo e cálcio, tratamento da acidose metabólica;
Evitar Medicamentos Nefrotóxicos: Como anti-inflamatórios não esteroidais;
Estilo de Vida Saudável: Parar de fumar, controlar o peso, praticar atividade física.
O acompanhamento regular com médico e equipe multiprofissional (enfermeiro, nutricionista, farmacêutico) é fundamental.
2. Terapia Renal Substitutiva (TRS) (Estágio 5)
Quando a função renal está muito baixa (TFG < 15 mL/min/1,73m² ou antes, se houver sintomas graves), é necessário iniciar a TRS. O SUS oferece três modalidades:
a) Hemodiálise
É a modalidade mais comum. O sangue do paciente é filtrado por uma máquina (rim artificial ou dialisador) em uma clínica especializada. O sangue passa por um filtro que remove toxinas e excesso de líquidos, e depois retorna ao corpo. Geralmente, as sessões duram de 3 a 4 horas e são realizadas 3 vezes por semana. Para realizar a hemodiálise, é necessário um acesso vascular permanente (fístula arteriovenosa ou prótese) no braço.
b) Diálise Peritoneal
Nesta modalidade, a filtração do sangue ocorre dentro do próprio corpo do paciente, utilizando o peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) como filtro. Um líquido especial (solução de diálise) é infundido na cavidade abdominal através de um cateter permanente. Após algumas horas, o líquido, agora contendo as toxinas e o excesso de fluidos, é drenado e substituído por um novo líquido. A diálise peritoneal pode ser feita em casa pelo próprio paciente ou por um cuidador, geralmente diariamente (manual - CAPD) ou durante a noite com auxílio de uma máquina (automatizada - DPA). Oferece mais flexibilidade e autonomia, mas exige treinamento e cuidados rigorosos com higiene para evitar infecções.
c) Transplante Renal
É considerado o melhor tratamento para a DRC estágio 5, pois oferece melhor qualidade de vida e maior sobrevida em comparação com a diálise. Consiste na implantação cirúrgica de um rim saudável de um doador (vivo ou falecido) no paciente. Após o transplante, o paciente precisa tomar medicamentos imunossupressores pelo resto da vida para evitar a rejeição do novo rim. O Brasil possui um dos maiores programas públicos de transplante do mundo, totalmente financiado pelo SUS. O paciente precisa entrar em uma lista de espera gerenciada pela Central Nacional de Transplantes.
A escolha da modalidade de TRS é individualizada, discutida entre o paciente e a equipe médica, considerando fatores clínicos, sociais e preferências pessoais.
Onde Realizar a TRS no SUS
Hemodiálise: Realizada em clínicas de diálise conveniadas ou hospitais habilitados pelo SUS;
Diálise Peritoneal: O treinamento e acompanhamento são feitos em centros de referência, mas a terapia é realizada em casa;
Transplante Renal: Realizado em hospitais transplantadores habilitados pelo SUS.
Passo a Passo para Acessar o Tratamento da DRC pelo SUS
1. Diagnóstico e Acompanhamento Inicial (UBS)
Consulta na UBS: Procure a UBS se tiver fatores de risco (diabetes, hipertensão, etc.) ou sintomas. O médico solicitará os exames de creatinina e urina;
Monitoramento: Se você tem diabetes ou hipertensão, seus exames de função renal (creatinina com TFG e exame de urina com ACR) devem ser feitos pelo menos uma vez ao ano na UBS;
Diagnóstico de DRC: Se os exames confirmarem DRC (TFG < 60 ou dano renal por > 3 meses), o médico iniciará o tratamento conservador e o acompanhamento.
2. Encaminhamento para Nefrologista (Atenção Especializada)
Critérios de Encaminhamento: O médico da UBS encaminhará você para um nefrologista (especialista em rins) se: TFG < 30 mL/min/1,73m², queda rápida da TFG, albuminúria elevada, hipertensão de difícil controle, ou outras complicações;
Consulta com Nefrologista: O nefrologista avaliará seu caso, ajustará o tratamento conservador e planejará o acompanhamento.
3. Preparo para Terapia Renal Substitutiva (TRS)
Planejamento da TRS: Quando a TFG se aproxima de 15-20 mL/min/1,73m² (Estágio 4 avançado), o nefrologista discutirá com você as opções de TRS (hemodiálise, diálise peritoneal, transplante);
Confecção de Acesso Vascular (Hemodiálise): Se a opção for hemodiálise, será agendada a cirurgia para criar a fístula arteriovenosa no braço, idealmente meses antes do início previsto da diálise;
Implante de Cateter (Diálise Peritoneal): Se a opção for diálise peritoneal, será agendada a cirurgia para implantar o cateter no abdômen;
Avaliação para Transplante: Se o transplante for uma opção, você iniciará a avaliação pré-transplante e, se aprovado, será inscrito na lista de espera.
4. Início da TRS (Estágio 5)
Indicação de Início: O nefrologista indicará o início da diálise quando a TFG estiver muito baixa (geralmente < 10-15 mL/min/1,73m²) ou se surgirem sintomas graves de uremia (acúmulo de toxinas);
Hemodiálise: Você será encaminhado para uma clínica de diálise credenciada pelo SUS para iniciar as sessões;
Diálise Peritoneal: Você receberá treinamento no centro de referência e iniciará a terapia em casa, com acompanhamento regular;
Transplante: Quando um rim compatível estiver disponível (doador falecido ou vivo), você será chamado para realizar a cirurgia no hospital transplantador.
5. Acompanhamento Contínuo
Pacientes em diálise ou transplantados continuam sendo acompanhados regularmente pela equipe de nefrologia e outros especialistas, conforme necessário.
Prevenção da Doença Renal Crônica
A prevenção da DRC passa pelo controle dos fatores de risco:
Controlar o Diabetes: Manter a glicemia sob controle;
Controlar a Hipertensão: Manter a pressão arterial nos níveis recomendados;
Manter Peso Saudável;
Não Fumar;
Praticar Atividade Física;
Beber Água Adequadamente;
Evitar o Uso Abusivo de Anti-inflamatórios e Outros Medicamentos Nefrotóxicos;
Realizar Exames de Rotina: Especialmente se tiver fatores de risco, verificar a creatinina e a urina anualmente.
Direitos dos Pacientes com Doença Renal Crônica
Pacientes com DRC, especialmente em estágio avançado ou em TRS, têm direitos semelhantes aos de outros pacientes com doenças crônicas graves:
Direito ao tratamento completo e gratuito pelo SUS (incluindo medicamentos, diálise, transplante);
Auxílio-doença, Aposentadoria por Invalidez ou BPC/LOAS (conforme o caso);
Isenção de Imposto de Renda sobre aposentadoria/pensão;
Saque do FGTS e PIS/PASEP;
Passe livre em transporte público (conforme legislação local);
Isenção de impostos na compra de veículos (se houver deficiência).
Procure o serviço social da clínica de diálise, do hospital ou a Defensoria Pública para mais informações.
Conclusão
A Doença Renal Crônica é uma condição séria, mas que pode ser prevenida e controlada com diagnóstico precoce e tratamento adequado. O SUS oferece uma rede de cuidados completa, desde a prevenção e rastreamento na Atenção Primária até os tratamentos mais complexos como diálise e transplante renal. Se você possui fatores de risco como diabetes ou hipertensão, faça seus exames renais regularmente. Se já tem DRC, siga as orientações médicas, mantenha um estilo de vida saudável e conheça seus direitos. Cuidar dos rins é essencial para a saúde geral.
Referências
Ministério da Saúde. Saúde de A a Z: Doenças Renais Crônicas (DRC). Disponível em: [https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/drc](https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/drc)
Ministério da Saúde. Diretrizes Clínicas para o Cuidado ao Paciente com Doença Renal Crônica – DRC no Sistema Único de Saúde. Brasília, 2014. Disponível em: [https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_clinicas_cuidado_paciente_renal.pdf](https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_clinicas_cuidado_paciente_renal.pdf)
Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Disponível em: [https://www.sbn.org.br/](https://www.sbn.org.br/)
Ministério da Saúde. Linhas de Cuidado: Doença Renal Crônica (DRC) em adultos. Disponível em: [https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/doenca-renal-cronica-(DRC)-em-adultos/](https://linhasdecuidado.saude.gov.br/portal/doenca-renal-cronica-(DRC)-em-adultos/)
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